A ideia de que era preciso fazer alguma coisa pelos doentes com insuficiência cardíaca (IC) já existia, mas a pandemia de covid-19 veio dar-lhe ainda mais força. Isto mesmo é defendido por Sara Marques, representante da Heart Failure Policy Network, uma rede multidisciplinar europeia naquela área. “A covid veio mostrar que é fundamental dar atenção a esta doença”, sublinha a especialista portuguesa que é também a coordenadora do relatório “Consenso Estratégico para a Insuficiência Cardíaca em Portugal”, um documento que resulta do trabalho e discussão de muitos especialistas – médicos, enfermeiros, diretores, administradores de unidades de saúde, associações de doentes, autoridades de saúde e indústria farmacêutica.
O relatório, e documento final, será agora divulgado, no ciclo de conferências subordinadas ao tema “Insuficiência cardíaca: Uma estratégia para Portugal”, que o Global Media Group, com o apoio da Novartis e da Medtronic, realiza nos dias 6, 7 e 8 de outubro, entre as 18.30 e as 20.00, e que poderá ser acompanhado em direto nos sites do DN, do JN e da TSF. As conferências, que irão abordar três temas – Viver com IC no contexto de uma pandemia; IC: Prevenção; Tratamento e Impacto Socioeconómico; IC: Um Olhar Profissional e Sistémico, contam com a presença dos secretários de Estado adjunto da Saúde, António Sales, e do Trabalho e Segurança Social, Miguel Cabrita, entre outros. O jornalista Paulo Baldaia é o moderador.
Sara Marques explica ao DN que a pandemia além de ter atrasado o diagnóstico de muitos doentes e o acompanhamento dos já diagnosticados, criou a necessidade de se pensar em novas formas que garantam o apoio a estas pessoas: “Através, por exemplo, de mecanismos de telessaúde, sempre que possível. (…) Perante uma doença infecciosa, toda a forma de lidar com uma doença crónica fica afetada. É o que tem acontecido com muitas pessoas que sofrem de IC e que se viram afastadas dos cuidados de saúde. Tem de haver uma reorganização dos serviços” que priorize os doentes urgentes e que permita aos outros serem acompanhados fora do hospital, para que não aumentem o risco de exposição ao novo coronavírus.
A doença em que o coração pára temporariamente, impedindo o sangue de circular em quantidades suficientes pelo organismo, afeta 400 mil portugueses e poderá atingir um milhão em 2060. É a terceira causa de morte em Portugal, a primeira nas pessoas com mais de 65 anos. No entanto, nem sempre é tratada como uma síndrome de elevada morbilidade e mortalidade, mas Sara Marques espera que o trabalho feito por este grupo “impulsione políticas de combate à IC”. Aliás, “o objetivo do trabalho é mesmo esse”, pois “há uma desvalorização do impacto da doença”. A IC é silenciosa, mas os seus resultados não são insignificantes na vida dos doentes. “É uma doença incapacitante. Nos casos mais graves, as pessoas deixam de poder trabalhar”, sublinha. Por isto, é necessária uma estratégia nacional de abordagem e tratamento da doença.
O documento alerta para a falta de unidades especializadas e para a articulação pouco eficiente entre os diferentes níveis dos cuidados de saúde, situações que levam a que muitos doentes sejam diagnosticados e tratados tardiamente, obrigando a longos internamentos, em média de 12 dias, e mais custos. Basta referir que a IC é a primeira causa de hospitalização em Portugal depois dos 65 anos, além de que uma em cada dez pessoas morre no hospital. A IC é hoje mais mortífera do que o AVC, o enfarte ou o cancro.
A este quadro há ainda a juntar a falta de conhecimento da população em geral em relação à doença e até de muitos profissionais de saúde, que não estão preparados para detetar os sintomas (pernas e pés inchados, cansaço, dificuldades respiratórias), facilmente confundíveis e atribuídos à idade, aponta Sara Marques.
O trabalho desenvolvido por médicos de várias especialidades, associações de doentes, administradores hospitalares, representantes da indústria farmacêutica e dispositivos médicos teve início em julho de 2019, com o objetivo de analisar a situação do país, para encontrar novas medidas e votá-las, tendo em conta o grau de urgência de implementação. A metodologia do trabalho ficou a cargo da Universidade Católica e o financiamento provém da Medtronic e da Novartis, que puseram à disposição o seu poder de veto sobre o conteúdo do documento final. “O conteúdo do documento é baseado na evidência científica e num consenso”, garante Sara Marques, que acredita que o documento poderá ser “um momento de viragem” para a IC em Portugal.